A valentia do coronel Dudu (final)

29 fev • A Vida como ela foiNenhum comentário em A valentia do coronel Dudu (final)

“…aqui só tem viado, xiru mesmo só eu”

– Buenas que me espalho, nos pequenos dou de prancha, nos grandes dou de talho! Dito isso, o coronel Dudu olhou em volta para observar o efeito do desafio. Ninguém deu a mínima. Afinal, um baixinho pilchado, ligeiramente adernado e desafiador, não chegava a ser novidade no Pelotense. Atrás da caixa, o dono, João Mariano, mal e mal ergueu os olhos. Aí Dudu resolveu engrossar. – E não tem macho nessa casa! As coisas de sempre do ideário xiita gauchesco. Mesmo assim, ninguém se dignou a olhar de novo, a não ser para manifestar desagrado por estragar o clima. Afinal, beber é um ritual sagrado. – Aqui só tem viado e borracho de segunda… Nessa hora, João Mariano franziu o sobrolho. – …digo e repito, só viado! Xiru mesmo só eu! A Mesa Um, irritada, desandou a gritar para que Dudu encerrasse a performance e fosse curtir o porre noutra freguesia. Vai gritar num CTG, nanico de merda! Mesmo enxergando apenas uma densa neblina, Dudu radicalizou. Foi para trás do balcão, subiu num caixote que era usado para tirar bebidas do alto das prateleiras e voltou a desafiar a platéia. – E quem quiser me encarar, estou aqui para o que der e vier! Na mão ou na adaga! Aqui ou lá fora, apareça quem for homem! João Mariano deu um suspiro. Abaixou-se, pegou um facão de derrubar pinheiro de 20 metros, deu a volta e, com cara de quem foi Dr. Jekyll e virou Mr. Hyde, deu um planchaço no balcão de mármore. O som resultante foi algo horripilante. Durante muitos segundos, aquilo ressoou como as trombetas do juízo final. Dudu estacou. Depois daquele dia, ele nunca mais ouviu direito. Foi sua vez de trocar de identidade – de Jekyll para Hyde numa velocidade espantosa. Desceu da caixa, humilde, cara de guri borrado, e saiu de mansinho. – A gente não pode nem mais brincar nessa casa… João Mariano deu um último olhar assassino para o coronel Dudu e voltou para a caixa. Por estas e por outras, por ter que agüentar todo santo dia borrachos assim, certo dia ele disse para a cozinheira Fifa que iria para o dentista e voltaria em duas horas. Nunca mais voltou. Sumiu. Nem deu notícias.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

FacebookTwitter

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

« »