Papo de loja
João Nadir saiu de Uruguaiana há mais de 200 anos e ainda tem aquele sotaque, que tenta imitar o do Alegrete. Pois estava nosso bom homem na loja de vinhos finos da rua Padre Chagas quando o carioca entrou. Antes mesmo do primeiro chiado, dava para ver sua nacionalidade. Meia idade, mais para gordinho, camisa aberta, veio resoluto como raposa entrando em galinheiro. Só que era uma raposa falante.
– Olá oceish, tudo na boa, gente fina? Mash que bela loja cê tem aqui, cumpadre. Eshtava mesmo na hora de Portalegre ter uma delas, nosh trinquesh, não é meshmo?
O baixinho JN botou aqueles óculos meia-lua para examinar melhor o rótulo de um chileno.
– Cê sabe, nosh lá do Rio eshtamos um pouco mais longe que osh gaúchosh neshte ramo. O meu amigo Gashtonzinho, que mora aqui perto, me convidou pra passar unsh diash aqui, tô goshtando.
Entre aquela estreita fresta que fica entre os óculos meia-lua e as sobrancelhas, João Nadir olhou de relancina para o visitante. Conhecia o Gastãozinho, nome e sobrenome, mas nada disse. Moita.
– Só tem uma coisa que deteshto aqui no sul, é a vizinhança. Num vô com a cara de uruguaiosh e argentinosh! Pra mim é tudo pilantra, sacou?
E olhou de novo para o uruguaianense esperando a confirmação da tese sociológica do visitante. Depois de alguns segundos, ele tirou os óculos e olhou firme para o outro.
– Si asi lo dices…
Quem passava na frente da loja teve a impressão que botaram fogo na loja, tal o vermelhão que iluminava o estabelecimento.
Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.
