Os cardápios da quaresma
Passado o Carnaval, só nos falta esperar a quaresma terminar. Aliás, é curioso para mim, como as religiões interferem na nossa mente e eu concordo sem nenhuma objeção. Mas me chama atenção como tentam fazer o mesmo com nosso paladar e com o nosso estômago.
Até meados do século passado, os católicos na quaresma comiam pouco e mal. Eles deviam jejuar e se abster de carnes, laticínios e ovos (especialmente gemas) para lembrar os 40 dias passados por Jesus no deserto antes de iniciar a pregação. Mas peixes, legumes, verduras e frutas estavam liberados, o que já demonstra que era um deserto camarada, os que eu fui, que se saiba não dão nem um pé de couve, peixes e frutos do mar? Nem pensar.
Hoje, o jejum tornou-se opcional e a abstinência ficou para a Sexta-Feira.
Católicos de alguns países, porém, souberam mitigar as proibições, sem quebrar as regras. Os italianos, por exemplo. Usando legumes, verduras, frutos do mar, peixes, amêndoas e mel, criaram receitas tão boas que acabaram incorporadas no cardápio.
A primeira lembrada: Carciofi alla Cavour. O nome homenageia o estadista que ajudou a unificar a Itália. Também pode ser Carciofi alla Torinese, numa referência à cidade de Turim, onde Cavour nasceu. São alcachofras pequenas e tenras, cozidas em água, depois polvilhadas com farinha, transferidas ao forno com manteiga e servidas com molhos variados.
Já na Espanha, uma das receitas do período é o ajo blanco, sopa fria de ascendência greco-romana, hoje típica da cozinha da Andaluzia. Leva amêndoas picadas, alho, às vezes um pouco de vinagre, pão dormido umedecido. Os ingredientes são esmagados num almofariz de pedra até formar uma pasta branca. Então incorpora-se água, sal e se bate com azeite. Os espanhóis o consideram um tipo de gaspacho (mas nunca provei).
A receita mais famosa da Quaresma, porém, não surgiu na Europa, mas na Ásia, por influência dos jesuítas de Portugal. Foi o tempurá, bastante conhecido no Brasil. Consiste em leves e crocantes frutos do mar, peixes e vegetais envoltos em polme fina e fritos em óleo muito quente. Segundo o espanhol Jacinto García, no livro Comer como Dios Manda, “a palavra tempurá é uma adaptação em japonês do termo latino, tempero. ”
Seria um derivado de tempero e virou aquele prato de camarão e vegetais levemente fritos. É bem possível hoje estes derivados do francês ou do inglês, se aportuguesaram e seguimos usando. É quase sempre assim, assumimos o nome e os objetos que não conhecemos (e outros por charme). Numa ocasião em Penang, na Malásia, dividíamos uma mesa com uns jovens malaios e na 2ª ou 3ª vez que usaram a palavra janela pedi que eles repetissem e o que queria dizer, e um deles explicou: é janela (window). Ele disse: nós não conhecíamos a palavra e quando os portugueses ocuparam a península de Penang, nós aprendemos e seguimos usando.
Penang é em frente a Sumatra e ainda tem pedras esculpidas em português, lembro de BENEFICÊNCIA portuguesa e de algo sobre um convento, mas só lembro, quem entende do assunto é o Claudio Moreno.