O batizado

23 nov • A Vida como ela foiNenhum comentário em O batizado

Este causo do Luiz Odilon, é sempre interessante e bom de ler. O alegretense é um excelente contador de histórias recheadas do saber campeiro. Já escreveu um livro maravilhoso, Causos do Alegrete, entre outros escritos dispersos ou, na minha definição, amontoados. No bom sentido. Conhece como poucos o nosso Alegrete e seus personagens. ​Tem 81 anos e, segundo suas palavras, fará 82 dia 29 de dezembro “se até lá não chover demais. Velho tá sempre por uma”.​

Um dos meus filhos tem pleito interessante que faz aos amigos; da mesma forma que participaram ou convidaram para o casamento, solicita igualmente comunicação formal de separação ou divórcio, quando for o caso, que deseja sinceramente, enfatiza, não venha acontecer com eles. Seria comportamento bem prático, adotado como rotina na sociedade, divulgando o desenlace, de acontecimento do qual houve muita festa no início, poupando com isso momentos embaraçosos, gafes homéricas, esclarecimentos penosos, assim como pedidos de desculpas, nem sempre bem aceitos.

Esta situação comum hoje em dia, nada mais lógico que seja encarada como tal, justificável correção de rota, como na verdade ocorre. No passado, não era assim. Por mais raras, as separações não tão assumidas como hoje, até se possível varridas para baixo do tapete, ou pelo menos evitando ostentar tanto a verdadeira situação, como se a minimização do fato resolvesse alguma coisa.

Tipo de comportamento que não ajuda muito, pois a vida continua, a tendência dos separados é partir para nova união, quando então ficam escancaradas as novas titularidades, até em consequência da vida matrimonial que se renova, como filhos, por exemplo.

Uma gravidez inicial, se desejada, pela euforia dos futuros pais, torna-se pública rápido, depois de adiantada, por motivos óbvios, mais ainda. Essas situações são ainda aumentadas pela próxima vinda ao mundo do produto, o qual necessita legitimação logo, sob pena de, como no passado, ser tratado de “filho das macegas”.

Se para amigos e coletividade, pelo exposto, aclaramento da nova situação seria de muita utilidade, para a igreja, então, nem se fala, pois, devidamente esclarecida, evitaria criar situações delicadas para os fiéis. Mais ainda, este é um lugar em que a verdade e a transparência têm que ser preservados acima de tudo. Não dá nem para imaginar uma pessoa, para atenuar culpa mentir ao confessor, caso de sumária e eterna condenação à fornalha de belzebu.

Tanto quanto, ao apresentar um filho para o sagrado sacramento do batismo, omitir ou falsear informações, sobre a verdadeira situação conjugal dos pais do novel batizando. Isto comprometeria a inocente criatura em sua sagração inaugural de vida, pelo perjúrio pátrio, ocorrido não por dolo, mas tão somente por drásticas e perversas  injunções sociais.

Este dilema afligiu, num passado não muito recente, ainda com outros ritos comportamentais, a certo casal alegretense, que, enquanto esperavam seus respectivos divórcios, já viviam juntos. E não perdiam tempo, pois tinham uma filhinha de alguns meses. Como a situação civil não estava legalmente resolvida, pior ainda era digerida na ótica da igreja, que formalmente os considerava amasiados, vivendo em estado de pecado.

Apesar da situação irregular, resolveram batizar a filha, nesta altura a maior e inocente vítima da situação. Para padrinhos da guria, convidaram um casal de parentes, que lhes havia dado muita força quando iniciaram a sua união.

Na igreja, durante o cerimonial “a varrer”, batismo de diversas crianças ao mesmo tempo, o padre perguntou ao casal amancebado:

– Saão caasaados no ciiviil e no religiooso?

Ela vacilou, desviando os olhos corou e calou. Seu companheiro, tentando remediar a difícil situação, respondeu pelos dois meio titubeante:

– Si-ssi-im.

Homem pelo direito, prontamente sentiu que estava manipulando a verdade em local sagrado, pensando melhor, ante os compadres, em estado de choque, esclareceu firme:

– Eu com uma e ela com outro.*

* Fato real ocorrido no Alegrete, os personagens não revelo nem sob tortura.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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