O candidato a repórter

20 mar • A Vida como ela foiNenhum comentário em O candidato a repórter

“…O dono da Caldas Júnior chamou o Editor Chefe e explicou o assunto…”

Anos 1970. Um amigo do então todo poderoso jornalista Breno Caldas pediu que desse uma chance para seu filho, que seria um hábil tecelão das palavras e queria trabalhar no Correio do Povo. O dono da Caldas Júnior chamou o Editor Chefe e explicou o assunto. Faça um teste, dê-lhe uma pauta simples, disse o doutor Breno ao subordinado, veja se ele é bom mesmo, se tem vocação para repórter. Se não for não se acanhe, direi ao pai que infelizmente não vai dar.

Uma chatice atender pedidos desse tipo, mas ordem é ordem. No dia seguinte veio procura-lo um sujeito já maduro, pinta de intelectual, óculos redondos com armação preta, voz grave e terno escuro. Pensou na pauta que daria ao candidato a jornalista do róseo, apelido do Correião à época, por causa da cor do papel usado na impressão. Como fazia um calor de época, então o editor deu ao candidato uma tarefa bem simples.

– Vá até as bancas do Abrigo dos Bondes e pergunte a algumas apenas se eles estão vendendo mais refrigerantes que o normal.

Até uma criança de oito anos seria capaz de cumprir a tarefa. Com ar solene e voz grave, o filho do amigo do doutor fez um pedido.

– Por favor, preciso de pelo dois blocos de laudas.

Lauda era uma folha de papel com marcação para a diagramação, usada no tempo das máquinas de escrever. Um bloco costumava ter 100. O editor ficou perplexo. Uma matéria tão simples ocuparia não mais que três ou quatro laudas, o que diabos o cara queria com 200 folhas de papel?

– E preciso de alguns dias para redigir a matéria.

Mais uma perplexidade. Enfim, seja o que Deus quiser. O sujeito voltou dias depois, quanto a temperatura já tinha voltado ao normal, sobraçando pelo menos umas 100 laudas datilografadas. Desconsolado, porque teria que ler o calhamaço todo para dar satisfações ao doutor Breno, começou a primeira. Não tinha nem lido uma linha inteira quando se rosto se iluminou. Como previsto, o candidato a repórter era um desastre jornalístico ambulante, e o patrão entenderia perfeitamente o motivo. A primeira palavra grafada daquele livro permitia esse juízo:

– Porém…

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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