O sol por testemunha
Nunca beba vendo a luz do sol. Um político famoso, dos anos 1980, tinha essa máxima e repreendia funcionários, parentes, amigos e até conhecidos quando via alguém bebendo de dia. A bebida, sentenciava Sua Excelência, só pega você se insistir em beber de dia. Espere o anoitecer, exclamava, dedo em riste, para o infeliz flagrado tomando seu chopinho ou uísque no almoço.
Ele mesmo se dizia um exemplo. Bebia forte, como se diz na Fronteira Oeste, mas sempre à noite. Durante o dia, o único líquido que descia pela sua garganta era chimarrão ou água mineral. Cumpria esse sagrado preceito desde sempre, jurava, e passava longe da dependência.
Um dia, coisa de 10h da manhã, um funcionário foi à sua procura na praia – era fevereiro – e cruzou o largo gramado da mansão. No caminho, deparou-se com a Veraneio do político. Bateu na porta. Atendeu a empregada, explicando que o patrão tinha dado uma saída. Conformado, deu meia volta e, justo quando cruzava a caminhonete, Sua Excelência abriu a porta do veículo de bermudas com uma garrafa vazia do melhor scotch que o dinheiro podia comprar. Trôpego, só fez um aceno e foi reabastecer no bar da mansão.
Mais surpreso que virgem que descobre estar grávida, o funcionário foi embora para não causar constrangimento ao patrão. Foi então que notou que todas as janelas da Veraneio tinha cortinas pretas.
O homem era coerente. Realmente, ele nunca bebia vendo a luz do sol.
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