Uma viagem ao exterior
Eu e o Clio do Cavaquinho éramos mais que amigos, éramos confidentes. Já no início dos anos 80, ele começou a receber a fatura. Diabético, meia idade, a febre da seresta estava dispersa como estouro da boiada em noite de tormenta, acabou. Juntado o humor que lhe restava, contou um caso envolvendo o seu fiel acompanhante do violão sete cordas. Clio se queixava da vida e como o verde do vale passou para marrom, até que o companheiro explodiu.
– Tu tiveste uma boate, foste amante de gente rica, viajaste, fizeste shows por todo o Brasil, gravaste vários discos com tua foto enorme na capa, e eu mal e mal era citado na contracapa do vinil em letras miúdas. O pior é que eu nem mesmo pude realizar meu maior desejo.
Clio se comoveu. Como ele pode ser tão insensível, pensou. Então perguntou qual era o desejo do parceiro de longa data.
– Viajar para o exterior! Eu quero ir para o exterior!
Isso foi no tempo que só rico podia fazer isso, mas, mesmo assim, Clio resolveu ver onde ele queria ir, qual país.
– Libres! Eu quero ir para Libres!
Clio engasgou.
– Mas Libres é na Argentina, do outro lado da ponte!
O violonista fincou pé.
– Eu insisto: quero conhecer o exterior, quero ir para Libres.
Libres o Clio podia bancar. Dias após, foram para Uruguaiana a bordo do trem húngaro, atravessar a ponte a pé, tomaram um porre federal em um boteco pé-sujo do outro lado e, horas depois, pegaram o trem de volta para Porto Alegre. O violonista, contou Clio, morreu feliz porque finalmente tinha conhecido o exterior.