A garrafa misteriosa
Este quadro é um clássico de Pedro Weingärtner, pintor que ilustrou os usos e costumes do Rio Grande do Sul no passado, em especial nas colônias alemãs. Este é um dos meus favoritos, e chama-se “O Kerb”, que vem a ser a festa tradicional em que municípios fazem três dias de festa com ponto alto nos bailes, festejando o dia do padroeiro. Repare no centro da tela, uma garrafa que parece ser de espumante pendurada no teto. Não é. É uma garrafa de cerveja. Havia um fascinante ritual em torno dela, que, aqui e acolá, ainda podem persistir em localidades pequenas.
Consistia no seguinte: finda a missa solene de domingo, todos se dirigiam ao salão de baile atrás de uma bandinha típica. Uma vez chegados no salão, começava o espetáculo. Todos procuravam desesperadamente arrancar a garrafa do teto, subindo nos ombros de amigos e parentes. Quem conseguisse a façanha era obrigado a pagar a primeira rodada de cerveja para todos os presentes. O curioso é exatamente isso, um prêmio em que, em vez de ganhar algum prêmio, o vencedor marchava com uma boa grana.
Quando vi isso pela primeira vez, em Bom Princípio, na minha adolescência, fiquei dias matutando qual seria a graça do show. Hoje entendo, porque alemão quando faz festa faz questão de ver os outros felizes, dias em que ele se esbaldava. Como em toda bebedeira coletiva, não raro quebrava o pau. Fazia parte. E as famílias faziam um farto almoço para parentes, que vinham de longe e até de outros estados.
Havia outro detalhe curioso. Os bailes nunca eram aos sábados. Os padres temiam que a ressaca no domingo de manhã seria uma boa desculpa para não ir à missa. Em resumo, o Kerb, hoje banalizado com música eletrônica e modernosa, era o carnaval da alemoada das colônias. Nos salões começavam namoros e casamentos, faziam-se amigos e se perdiam antigos por conta dos excessos.