O facão e o goleiro

1 jun • A Vida como ela foiNenhum comentário em O facão e o goleiro

 Há dois tipos de brigões, sentenciava o coronel Dudu. Os que brigam mesmo e os que ameaçam quebrar o pau sabendo que ou há a turma do “deixa disso” a postos ou seguranças, caso de suas excelências da Câmara dos Deputados. “Me segura senão eu mato esse cara” é o lema de quem só faz brilhatura para câmeras. E assim, seu prestígio de cabra macho engana o eleitorado.

 É a velha história do gatilho mais rápido do oeste. Um dia, chega algum mais veloz, ou o segurança não estava a posto e a turma do deixa disso não estava lá. Acaba como cachorro correndo atrás de um carro – se o carro para, o cão estaca e não sabe o que fazer.

 Na década de 1970, assisti um causo no Bar Pelotense, Centro de Porto Alegre, que ilustra bem o caso. Um freguês, um ex-goleiro, era uma moça no trato, mas, depois de algumas doses, virava Mr. Hyde. Eu vi com esses olhos que a terra há de comer ele bater em seis brigadianos no Bar Tuim. Certo dia, ele sentou na Mesa Um e cismou de implicar com todo mundo, desferindo impropérios e ofensas, ameaçando quebrar a cara de quem o olhasse atravessado. Ninguém olhou, sua fama ia longe e não convém brigar com um cara com quase 1m90 de altura.

 Menos o João Mariano, o dono do bar. Era um tipo calmo, nunca elevava o tom de voz, aguentava os borrachos todo santo dia sem nem mesmo revirar os olhos para cima. Mas, de repente, ele saiu detrás do balcão de mármore, ergueu uma balança Filizola, tirou debaixo dela um facão de abrir trilha em mato fechado e foi direto ao provocador. Rapaz, nunca vou esquecer o brilho assassino no olhar do João Mariano.

 – Então tu pensa que é macho bom de briga, é? Então vamos tirar essa teima, seu bosta!

 Para ilustrar o papo, desferiu um planchaço na mesa que temi pela integridade física da mesa de mármore. O som fiou ecoando no recinto, todo mundo quieto, a impressão que tive foi que até os ventiladores de teto pararam, tal o silêncio. O goleirão fez cara de espanto e virou um pacato Dr. Jeckyll.

 – Mas o que é isso, meu amigo João Mariano! Eu estava só brincando, não foi por mal…

 E se virou para a freguesia.

 – Desculpa, pessoal, tá?

 Acho que o operador do milagre não foi o facão. Foi o olhar do João Mariano.

Fernando Albrecht é jornalista e atua como editor da página 3 do Jornal do Comércio. Foi comentarista do Jornal Gente, da Rádio Band, editor da página 3 da Zero Hora, repórter policial, editor de economia, editor de Nacional, pauteiro, produtor do primeiro programa de agropecuária da televisão brasileira, o Campo e Lavoura, e do pioneiro no Sul de programa sobre o mercado acionário, o Pregão, na TV Gaúcha, além de incursões na área executiva e publicitário.

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